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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A Dança na Índia - Breve Relato

por Luciana Arruda
A historia da Dança na Índia se confunde com a historia do próprio país, um arcabouço de significados imerso no contexto social, político e religioso da Índia, traduz de maneira impar o quanto a dança é importante para um povo.

As informações desse texto foram transmitidas a mim pelo médico Dr Dipankar, de Puri- Orissa, da Bailarina Aruna Mohanty, de Bhubaneswar e derivadas de anotações feitas por mim em visitas a academias, escolas de dança, apresentações e festivais pelos estados de Chhattisgarh (Raipur; Korba; Bilaspur;) , Madhya Pradesh (Balaghat; Jabalpur;); Uttar Pradesh (Agra), e Orissa (Berhampur; Bhubaneswar; Sambalpur; Rourkela; Puri; Cutack) além da capital Délhi.

A historia da dança na Índia pode ser divida didaticamente em quatro partes:
Parte 1 – quando as mulheres eram livres, dançavam e podiam se expressar;
Parte 2 – quando, de repente, as mulheres foram proibidas de dançar;
Parte 3 – apenas os homens dançavam;
Parte 4 – através das crianças – muitas vezes meninos vestidos de meninas- aos poucos a dança foi retomada e as mulheres voltaram a dançar.

Parte 1- A Dança na Índia é uma manifestação cultural que, muitas vezes, adquiriu significado sagrado. Para os indianos, em sua maioria hindus, dançar é uma forma de prece e de traduzir e contar a historia dos deuses. Usualmente, as mulheres eram responsáveis pelas danças ritualísticas e pela manutenção da cultura indiana.

Parte 2 – Com a invasão dos muçulmanos na Índia, as mulheres foram abrupdamente proibidas de dançar, foi instituído o uso do véu, algumas atrocidades foram cometidas em relação as mulheres e por um período de cerca de 500 a 800 anos a dança foi algo proibido.

Parte 3 – Durante o domínio dos muçulmanos, apenas os homens tinham direitos, inclusive de dançar.

Parte 4- Com a saída dos muçulmanos e a vinda dos britânicos, aos poucos as mulheres voltaram a ter espaço na sociedade e a poder dançar. Inicialmente as crianças expressavam a cultura através da dança e muitas vezes, com meninos que se vestiam de meninas para poder dançar e ressaltar a importância da mulher. (Essa dança persiste até hoje, e é chamada de ‘Goti Pua’ um folclore realizado por meninos vestidos de meninas ‘goti = 1 pua=meninos)

A primeira manifestação de dança pós-dominio muçulmano foi chamada de ‘Mahan’, por volta do séc 17 a 19 e com o passar dos anos e desenvolvimento, transformou-se no que é hoje a Dança Clássica Odissi (Odisha – Orissi- Odissi).

Performance em Raipur- Odissi

Na dança Odissi, o sagrado é o foco, a razão de tudo. A bailarina dança para o deus, e antes de qualquer evento ou reunião, a bailarina faz a abertura honrando e pedindo a proteção do deus. É dedicada a Lord Jagannath, e sua representação é vista na dança principalmente nos movimentos de braço, pois o deus manifestado em sua forma, possui braços incompletos e sempre na posição com cotovelos elevados. Mas muitas vezes a bailarina dança Odissi como forma de reverenciar outros deuses, principalmente Lord Ganesh.

A musica é clássica indiana, com vocalizações realizadas em momentos específicos, e as letras contam a trajetória do deus Jagannath, ou falam sobre a busca pelo sagrado.


A principal característica da Odissi é a dissociação das partes do corpo – torso, pés, cabeça, braços. Segundo a professora me disse, para ter uma idéia se uma bailarina é boa, deve-se fotografá-la durante a performance e ver nas fotos que, em nenhum momento seu corpo está alinhado. Interessante!


Manifestações da Dança Odissi estão presentes em quase todos os sítios arqueológicos e templos da Índia, principalmente em Konark (Templo do Sol – Puri)

Templo do Sol

Nas poucas academias estabelecidas (pois usualmente a dança é transmitida entre famílias) o ensino prioriza a técnica e a expressão.

Para uma bailarina ser considerada profissional, ela deve ter pelo menos de 8 a 10 anos de pratica, e as aulas costumam durar 04 horas, alem de treinos extras de expressão e canto.
Em um bate papo com uma professora em Sambalpur (Kendriya School), ela me confidenciou o estranhamento por uma estrangeira querer aprender sobre Odissi (ou até mesmo dança-la):
“Se vocês não conhecem nossos deuses, não vivem o hinduismo, como poderão dançar Odissi?”

Nas escolas normais de ensino, há aulas de dança, canto e fanfarra, e campeonatos estaduais para essas modalidades.


Em relação ao ensino formal, as academias que conheci são muito diferentes de nosso país. A primeira impressão que me marcou foi o piso. Elas dançam no cimento frio, queimado, e fazem todo o trabalho de pés com muita, mas muita força, o som dos pés delicados no cimento é algo que não vou esquecer. As salas tem poucos espelhos, cortinas na janela e ventiladores. Usualmente é feita com musica ao vivo, e os músicos são impecáveis, uma atração a parte. Não há barras ou preocupação com o alongamento e relaxamento. Elas chegam e já começam técnica e combinações. O uniforme é o mesmo traje tradicional de vestri, o “chudedar kameez’ uma espécie de calça larga, bata e xale transpassado. Elas fazem aula descalças, sempre. E com guizos que pesam até 2 kilos nos tornozelos. Quando eu mostrava as fotos do meu estúdio, o piso especial que absorve impacto e perguntava sobre trabalho de alongamento, elas simplesmente sorriam e diziam: “Mas porque você se importa com isso?”
Espero que haja academias diferentes em outros locais da Índia, pois fico pensando nas articulações e músculos dessas bailarinas daqui a alguns anos.

Bailarinos durante ensaio, e depois, no show especialíssimo à noite

Todas admiram a bellydance, e a maioria disse achar extremamente difícil executar os passos, mais uma prova de que dança indiana e dança do ventre são muito, mas muito diferentes. Elas não gostam da dança moderna, do estilo Bollywood, para elas é algo ‘ocidental demais’.
Ao mesmo tempo, as jovens admiram Beyoncé e Akon. E o nosso samba é unanimidade, em todos os lugares eles pediam para eu dançar um pouco de samba.


E o que é o bollywood para as indianas? Tudo que é moderno (chamado de ‘punjabi’), alegre e informal. Elas não vêem técnica no estilo bollywood, e apreciam apenas o fato do estilo divulgar a Índia.

Dança Folclórica

A modalidade Kuttack é praticada com mais ênfase nos movimentos de pés e é dedicada a Lord Khrisna.
Dentre as danças indianas, temos uma gama imensa de significados associados ao sagrado, e dentre estes, danças regionais e folclóricas, que servem para glorificar um estado, região ou o próprio pais.

Dança Tribal

Nada é sem significado na Índia e a Dança é a ferramenta mais poderosa de se contar uma historia ou fazer uma oração.

Fotos: Luciana Arruda
Texto: Luciana Arruda
(fotos do arquivo pessoal, tiradas durante a viagem á India 2009/2010)