Pessoas Lindas!

terça-feira, 1 de março de 2011

Estou assim...


''Agora eu sou duas.

Meu corpo muda tanto que meus órgãos parecem querer ir embora, sair de mim, explodir, já não me cabem mais.

A fome vem como sempre veio, mas agora antes da cada garfada eu penso com carinho que estou dividindo cada nutriente com você e me pergunto se você realmente gosta de tanta pimenta e mostarda, como eu.

A felicidade vem de mansinho e às vezes eu até tento me esquecer, mas aí você se mexe dentro de mim e eu me lembro que não estou mais sozinha.

Shiii. Silêncio.

Eu, imóvel tentando ouvir você crescer em mim.

Eu, com medo, tentando sentir que está tudo bem. Tentando pensar que sou um bom ninho. Ou casulo. Ou casa.

E você sugando as minhas forças, meu humor, meu sentido de realidade para fazer crescer a pele que vamos acariciar, a boca que vamos alimentar, os olhos que vão ver o mundo de um jeito que vamos ter que ensinar.

Penso no Universo, que deve haver alguma força maior- bem maior – que tudo o que me foi ensinado ou escrito. A vivência do divino, que busquei durante tantos anos, hoje pulsa dentro de mim.

Penso em numa força maior eu sei que não posso fazer isso sozinha. Seria poder demais, responsabilidade demais, força demais para um ser humano.

Ser humana.

Me sinto mais mulher do que nunca. Não super mulher, não confundam. Me sinto mulher inteira e de verdade, mas pequenininha diante de tudo que vai acontecer. De tudo que vai mudar.
Das coisas que não vou ser capaz de mudar e das coisas que eu já mudei.
Agora eu sei parar um pouco. Agora eu me permito descansar quando o sono vem. Agora eu entendo quando meu corpo chega ao limite.

Um coração batendo dentro de mim e não é o meu.

Choro e entendo.
Entendo a solidão dos homens que não podem gerar uma vida e vejo isso no olhar maravilhado do meu marido quando ele pousa suãs mãos em meu ventre e sente nossa filha.
Quando ele viu o ultrassom e ouviu o coração da nossa pequena, seu olhar foi para mim. Meu marido olhava meus olhos, ao invés de olhar a tela do computador como eu fazia, ele me olhava. Quando percebi, vi o brilho dos olhos marejados dele, e quando eu perguntei ‘Por que você olhava para mim e não para o monitor?’ ele me disse ‘Porque você estava linda e fazia tempo que eu não via você tão feliz.’

Hoje eu sinto a solidão dele, observando um momento tão meu e da minha filha e eu me lembro o tempo todo de trazê-lo para perto de nós nesse momento.

Enquanto eu mal me sinto capaz de levantar da cama devido ao sono imenso, de não comer o chocolate que te faz mal.

Mal me sinto capaz de escrever porque sei que não vou encontrar as palavras certas.

Por isso me inspirei neste texto e o adaptei com tudo o que sinto e vivo.

Não vou organizar as palavras na ordem correta. Não vou fazer quem lê estas linhas entender tudo o que eu sinto. Um turbilhão em câmera lenta dentro do meu coração, como se o furacão tivesse a noção de que na velocidade normal te acordaria, te incomodaria, te assustaria.

Shiii. Silêncio.

Agora eu sou duas e cada passo, cada pensamento, cada alimento interferem em você. Quero ser só amor, mas sou humana.

Também penso em nós dois, marido e eu. Agora você, meu amor. Que me amava desde que eu era só um. Que me amou tanto que me fez dois. Que me ama muito agora, meio feliz, meio desconfiado, meio com medo de quando seremos três. Na verdade seis, contando com as três cachorrinhas que adotamos há meses atrás e nos faz sentir uma família pela primeira vez .

Seremos seis, nunca tão felizes como um comercial de Margarina. Aquela felicidade falsa, insossa, pasteurizada. Teremos a nossa felicidade inconstante, recheada de incertezas.

Se tivéssemos certeza, não seria preciso acreditar. E enquanto acreditamos na mesma coisa – nós dois, nós três, nós seis – mesmo nos dias tristes, eu vou saber que sou feliz.

Shiii. Silêncio.

Agora eu sou duas. Em breve seremos três. Tenho medo de nunca mais ser só eu. Mas tenho mais medo ainda de ser qualquer coisa menos do que nós, juntas.

Agora eu sou duas e tem ficado cada vez mais difícil me conectar ao mundo como deve ser, cumprir minha função como Psicologa em meus dois empregos, chegar em casa e dar aulas, estar em casa e cuidar da faxina. Mas aí me lembro da Vovó, do alto dos seus 93 anos dizendo que trabalhou na roça até 3 horas antes do parto.

Me lembro que agora sou duas e faço isso por nós, tento me fazer firme e conseguir forças.
São 19 semanas e uma vida já está pronta dentro de mim.

Agora sou duas e isso é pleno e também solitário, é como olhar em volta para as mulheres com suas barrigas chapadas e vazias de vida e me perguntar: quando vocês também serão duas?
Quando me farão companhia?

É um começo, de uma nova vida, para todos nós.

Devo seguir, como sempre fiz.

E em meio a tudo, sou grata por poder respirar tranqüila e concluir: agora sou duas.''


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*Adaptado do texto ‘Agora sou Dois’ de Aline/2008.


Eu e Salomé, 5 meses